Construindo Dispositivos Psicanalíticos no Território
Para pensar a construção de dispositivos psicanalíticos no território a Profa. Dra. EmÍia Estivalet Broide escreve em seu texto “EXISTIRMOS A QUE SERÁ QUE SE DESTINA: psicanálise nas situações sociais críticas: escutar, habitar, existir.” o seguinte:
“Cajuína” é musica-poema de Caetano que elegi para abrir esta apresentação. Caetano nos fala nessa música de seu encontro com o pai de Torquato Neto, em Teresina, após o suicídio do filho. Dr. Eli ofereceu uma rosa-menina (flor) e cajuína como forma de acolher o choro incessante do músico neste encontro. No dia seguinte, Caetano homenageia Torquato, Dr. Eli e a nós todos com esse belo poema.
Quero frisar que “A cajuína cristalina em Teresina” traz as marcas do território “em Teresina” e os elementos de uma pertença “cajuína”. A “Cajuína” é patrimônio histórico de Teresina (se você for a Teresina e não te receberem com a Cajuína, você não foi a Teresina). A bebida foi inventada por um farmacêutico local na busca da substituição da cachaça como forma de combater o alcoolismo. Justamente, o alcoolismo que levou Torquato a inúmeras internações psiquiátricas.
Como compreender Torquato e a música-homenagem de Caetano sem considerar essas histórias, essas memórias, essas pertenças? Assim que a pertença, as marcas, os rastros de cada um são elementos fundamentais na compreensão do que é dito na fala comum e cotidiana das pessoas, assim como também, na escuta psicanalítica nas situações sociais críticas. Seguindo o mestre, é da fala comum do dia a dia que Freud retira os conceitos que operam na psicanálise.
O trabalho psicanalítico nas situações sociais críticas convoca a responsabilidade do analista frente ao mal-estar na cultura, frente ao desamparo psíquico e social – que se apresenta nas formas mais comuns de sociabilidade -, frente aos interrogantes que colocam desafios e desacomodações ao pensamento teórico, ao exercício clínico e à práxis psicanalítica. O psicanalista, frente às situações sociais críticas, coloca em relevo o inconsciente lá onde a precariedade e o drama da vida humana se apresentam e clamam – num apelo resistencial – pela economia do pensamento, pela burocratização dos gestos e pelo ensurdecimento dos ouvidos frente ao drama singular do sujeito em situação de vulnerabilidade.
O trabalho psicanalítico nas situações sociais críticas implica colocar o corpo embrenhar-se nas dobraduras da cidade, fazer o que denominamos escuta territorial. Esta escuta abre caminho para uma reflexão sobre a vida do sujeito, incluindo sua história, visão de presente e futuro e seus laços mais profundos com a comunidade e o território. Com isso constitui-se uma compreensão dos limiares e fronteiras, do que é visível e invisível nos interstícios do sujeito, nas malhas da cidade. Os trilhos sulcados, o entalhe e o corte presente no território opera no vínculo transferencial e em ato revelam a pulsação viva e cotidiana da vida na relação analítica. Não há como recuar. Diferentemente de um estudo sociológico, antropológico ou mesmo psicológico, a escuta psicanalítica nas situações sociais críticas redimensiona o lugar da palavra, a subverte.
“Existirmos a que será que se destina” pergunta e interpreta Caetano. Nessa mesma vertente perguntamos na pesquisa social participativa sobre o “habitar a rua” sobre a “pulsação da vida nas ruas”. Nesta pesquisa dez pessoas em situação de rua entrevistaram cerca de 250 pessoas e relataram mais de 200 cenas vividas no processo da pesquisa. Existirmos, afinal, a que será que se destina. Nas bandas moebianas do sujeito imerso no mundo, na cidade, não há avesso nem direito, não há dentro ou fora, não há certo ou errado, há torção que se produz na qual o invisível se faz presente e o visível desaparece.”
Para trabalhar este tema o corpo docente do Curso de Especialização da PUC-SP “Psicanálise nas situações sociais críticas” está oferendo um novo curso online: “A construção de dispositivos psicanalíticos nas situações sociais críticas”, com mensalidades de R$152 para matrículas efetuadas até o fim de fevereiro!
Estão abertas as inscrições para a lista de interesse de nosso novo Curso de Extensão online! Podem se inscrever estudantes de gradução, bem como profissionais de diversas áreas, interessados na temática.
O curso tem 30h e ocorrerá neste semestre, às segundas-feiras, das 19h às 21h. Para inscrição e demais informações, acesse o link:
https://www.pucsp.br/pos-graduacao/especializacao-e-mba/construcao-de-dispositivos-psicanaliticos-nas-situacoes-sociais
Apresentação:
A atuação em situações sociais críticas representa um grande desafio, uma vez que convoca a responsabilidade do profissional diante do mal-estar na cultura, frente ao desamparo psíquico e social e frente a interrogantes que colocam em cheque o pensamento teórico tradicional e os modos já consolidados de atuação profissional.
Neste curso, trabalharemos estratégias de construção e operação de diferentes dispositivos clínicos nas situações sociais críticas. Para tanto, serão trabalhados de maneira interdisciplinar os conceitos de situações sociais críticas e de dispositivos clínicos, a partir dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise (a pulsão, o inconsciente, a transferência e a repetição).
Objetivos:
• Oferecer subsídios de compreensão e de intervenção prática advindas da psicanálise desenvolvida em situações de urgência social.
• Construir embasamento psicanalítico e interdisciplinar acerca dos dispositivos clínicos.
• Desenvolver a escuta necessária para a construção e operação de diferentes dispositivos clínicos.
• Desenvolver metodologia de diagnóstico e construção de dispositivos nos mais diferentes territórios da cidade e suas instituições.